Mistagogia, o que é
isso?
*Ione Buyst
“Mistagogia” vem de uma
composição de duas palavras gregas: 'myst ' e 'agogein'. É uma palavra que
indica uma prática muito antiga, redescoberta recentemente: guiar para dentro
do mistério.
Antes de tudo, é a própria
liturgia que nos guia para dentro do mistério que celebramos. Pela participação
na ação ritual somos introduzidos/as, iniciados/as, mergulhados/a no mistério.
A liturgia nos leva à experiência da fé através da participação nos 'ritos e
preces' (Cf. SC 48). Todos os elementos e o dinamismo das celebrações
(eucaristia e outros sacramentos, palavra, ofício divino...) nos levam à
participação no mistério da vida, morte e glorificação de Jesus, o Cristo.
Ajudam-nos a nos identificar com ele nas inúmeras atividades do dia-a-dia, nas
escolhas decisivas que temos de fazer em determinados momentos, nas
encruzilhadas da vida em que tudo nos parece obscuro e incompreensível, sem
saída, sem perspectivas, assim como nos momentos de certeza, de júbilo, de paz,
de alegria, de doação, de entrega.
Uma palavra das escrituras,
Um aperto de mão ou um abraço,
O versículo de um salmo,
Um gesto de oração,
A água benta respingando em nós,
A luz de uma vela acesa,
O cheiro do incenso e sua subida
para o alto,
A luz do sol que passa
persistente por uma fresta da porta ou da janela,
As palavras ou o gesto da bênção,
Um profundo silêncio,
Uma aclamação vigorosa,
Um abraço verdadeiro de
reconciliação,
O Pão e o Vinho partilhados,
A unção com o crisma ou com o
óleo dos enfermos...
Tudo isto pode se tornar para nós
um momento de descoberta, de revelação da profundidade do amor de Deus e do
sentido de nossa vida e de nossa morte, de nossos encontros e desencontros, de
nossas alegrias e tristezas, de nossas esperanças e desilusões... Tudo isso
pode aprofundar nossa opção por ele, pelo caminho do seguimento e da missão em
seu nome, na fidelidade a todo custo.
Mas é preciso que alguém nos
ajude a perceber o caminho da participação espiritual, integral, de corpo, mente
coração, rumo ao mergulho no encontro com o Transcendente, com Deus, com o
Cristo em sua morte-ressurreição, na profundidade da experiência ritual.
A catequese mistagógica nos
oferece os elementos para podermos entender, intuir o que acontece conosco na
ação ritual. Trata-se de ajudar na simbolização, guiar na passagem do sinal
material, ‘significante’ (objeto, gesto, leitura, ação ritual), para a
realidade teologal-espiritual significada e realizada pelo sinal, fazendo
referência à história da salvação (experiências de vida vividas na fé). Aí
entram a familiaridade com a Sagrada Escritura e o aprofundamento teológico,
que culmina no encontro pessoal com Jesus Cristo, no momento atual, existencial
de nossa vida pessoal, comunitária, social. A mistagogia nos leva a uma
conversão da interioridade, uma adesão existencial à pessoa de Jesus Cristo e
não apenas intelectual ou moral. E esta adesão nos leva a uma atitude ética, um
modo de vida de acordo com o evangelho de Jesus Cristo.
Há pelo menos três instâncias nas
quais deveríamos receber uma formação mistagógica: no catecumenato e na
catequese, nas reuniões de preparação das celebrações (equipes de liturgia,
ensaios dos ministros da música ritual), nos cursos de formação litúrgica. Além
disso, não nos esqueçamos da importantíssima dimensão mistagógica da homilia.
* Ione Buyst, atua há muitos anos na formação litúrgica,
tanto no campo acadêmico como no campo pastoral e popular. É professora universitária, assessora
treinamentos, encontros e cursos de teologia e pastoral litúrgicas a pedido de
institutos de teologia, dioceses e regiões pastorais, congregações religiosas,
movimentos interclesiais de comunidades de base. Tem vários livros e artigos
publicados, tanto na área acadêmica quanto na pastoral. É articulista e membro
do conselho de redação da Revista de Liturgia; membro co-fundadora da Celebra,
Rede de Animação Litúrgica; membro da equipe de elaboração do Ofício Divino das
Comunidades; e uma das criadoras do Laboratório Litúrgico, uma técnica a
serviço da formação litúrgica integral.